A pandemia gerada pelo covid-19 está causando muitos problemas em todos os aspectos. Para tentar superar essa crise algumas empresas adotaram o regime de trabalho intermitente previsto no artigo 443, § 3º, CLT. Nessa modalidade de prestação de serviço o empregado é convocado a realizar suas atividades de maneira esporádica, com intervalos de inatividade.
A CLT dispõe que o contrato de trabalho intermitente deve ser celebrado por escrito e deve conter especificamente o valor da hora de trabalho, que não pode ser inferior ao valor horário do salário mínimo ou àquele devido aos demais empregados do estabelecimento que exerçam a mesma função em contrato intermitente ou não.
O empregador convocará o empregado, por qualquer meio de comunicação eficaz, para a prestação de serviços, informando qual será a jornada, com, pelo menos, três dias corridos de antecedência. Após recebida a convocação, o empregado terá o prazo de um dia útil para responder ao chamado, presumindo-se, no silêncio, a recusa.
Caso seja aceita a oferta para o comparecimento ao trabalho, a parte que a descumprir, sem justo motivo, pagará à outra parte, no prazo de trinta dias, multa de 50% (cinquenta por cento) da remuneração que seria devida, sendo permitida a compensação em igual prazo. Ao final de cada período de prestação de serviço, o empregado receberá o pagamento imediato da remuneração, férias proporcionais com acréscimo de um terço, décimo terceiro salário proporcional, repouso semanal remunerado e adicionais legais. Também, a cada doze meses, o empregado adquire direito de usufruir, nos doze meses subsequentes, um mês de férias, período no qual não poderá ser convocado para prestar serviços pelo mesmo empregador.
Uma grande vantagem para o trabalhador é que no período de inatividade poderá prestar serviços a outros contratantes. Já a vantagem para o empregador é que o período de inatividade não é considerado como tempo de serviço à sua disposição.
No julgamento do recurso de revista 0010454-06.2018.5.03.0097, a Colenda 4ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho validou o contrato de trabalho intermitente ao julgar improcedente pedido de um assistente de loja para que seu contrato fosse declarado contrato por tempo indeterminado, com pagamento de salário integral de todo o período. Para o colegiado, a empresa cumpriu os requisitos da lei para contratação nessa modalidade. O ministro relator do caso apontou que, de acordo com os parâmetros da lei, o trabalho descontínuo pode ser firmado para qualquer atividade, exceto para aeronautas, desde que observado o valor do salário hora dos demais trabalhadores não intermitentes da empresa.
Um ponto importante que foi observado pelo ministro relator foi o seguinte:
A introdução de regramento para o trabalho intermitente em nosso ordenamento jurídico deveu-se à necessidade de se conferir direitos básicos a uma infinidade de trabalhadores que se encontravam na informalidade (quase 50% da força de trabalho do país), vivendo de “bicos”, sem carteira assinada e sem garantia de direitos trabalhistas fundamentais. Trata-se de uma das novas modalidades contratuais existentes no mundo (junto com o teletrabalho, também introduzido pela Lei 13.467/17), flexibilizando a forma de contratação, prestação dos serviços e remuneração, de modo a combater o desemprego. Não gera precarização, mas segurança jurídica a trabalhadores e empregadores, com regras claras, que estimulam a criação de novos postos de trabalho. (grifamos-seccionamos)
Ressalta-se o entendimento do ilustre advogado gaúcho João Vicente Rothfuchs, da Academia Sul-Riograndense de Direito do Trabalho, verbis:
O contrato de trabalho intermitente é algo absolutamente necessário para regulamentar e proteger uma espécie de relação de trabalho que hoje está fora do âmbito protetivo do direito laboral. Trabalho intermitente já existe, é uma realidade inquestionável, e para enxergá-lo basta almoçar em um restaurante em um domingo. Provavelmente o garçom que irá servir a mesa será um denominado “extra”, que nada mais é do que um trabalhador intermitente contratado como autônomo e, com isso, sem qualquer tipo de direito trabalhista. A regulamentação desse tipo de trabalho vem para estabelecer o mínimo de proteção para esse trabalhador, já que, no exemplo acima, ele jamais será contratado como um empregado ordinário por um restaurante que precisa de seus serviços apenas em duas refeições do final de semana. Embora o Direito do Trabalho não deva se curvar aos ditames do “mercado”, não pode simplesmente fechar os olhos a ele, sob pena de tornar-se letra morta, gerando o paradoxo de desproteção em face da proteção exagerada, em movimento conhecido como “fuga” do Direito do Trabalho. Em razão de tudo isso, o que aqui se propõe é ajustar esse novo modelo de trabalho, que vem sendo reconhecido ao redor do mundo como uma forma necessária de se ajustar uma relação existente na sociedade contemporânea, de modo a preservar os direitos fundamentais trabalhistas. (“O Contrato de Trabalho Intermitente na Reforma Trabalhista”, in “Reforma Trabalhista – Desafio Nacional”, Lex Magister – 2018 – Porto Alegre – pág. 157) (grifos nossos).
Ainda de acordo com o advogado gaúcho João Vicente Rothfuchs, o trabalho intermitente é uma forma de prestação de serviços que vem sendo reconhecida em todo o mundo como uma modalidade necessária para se ajustar uma relação existente na sociedade contemporânea preservando os direitos fundamentais trabalhistas.
Assim sendo, em virtude das peculiaridades que envolvem essa modalidade de prestação de serviços, é certo afirmar que as empresas que a adotaram antes da pandemia do covid-19 tiveram despesas trabalhistas reduzidas, o que naturalmente ajuda a evitar a onda de demissão dos colaboradores.